Uma fatia de pizza. Uma pilha de batatas fritas crocantes. Sorvete escorrendo num cone em um dia quente de verão. Quando você olha para qualquer um desses alimentos, uma parte especializada do seu córtex visual se acende, de acordo com um novo estudo de neurocientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Essa população recém-descoberta de neurônios responsivos a alimentos está localizada no fluxo visual ventral, ao lado de populações que respondem especificamente a rostos, corpos, lugares e palavras. A descoberta inesperada pode refletir o significado especial dos alimentos na cultura humana, dizem os pesquisadores.
“A alimentação é central para as interações sociais humanas e práticas culturais. Não é apenas sustento”, disse a Dra. Nancy Kanwisher, professora de Neurociência Cognitiva e membro do Instituto McGovern do MIT para Pesquisa do Cérebro e Centro de Cérebros, Mentes e Máquinas do MIT. “A comida é essencial para muitos elementos de nossa identidade cultural, prática religiosa e interações sociais, e muitas outras coisas que os seres humanos fazem.”
As descobertas, baseadas em uma análise de um grande banco de dados público de respostas do cérebro humano a um conjunto de 10.000 imagens, levantam muitas questões adicionais sobre como e por que essa população neural se desenvolve. Em estudos futuros, os pesquisadores esperam explorar como as respostas das pessoas a certos alimentos podem diferir dependendo de seus gostos e aversões, ou de sua familiaridade com certos tipos de alimentos.
A pós-doutoranda do MIT Dra. Meenakshi Khosla é a principal autora do artigo, juntamente com o pesquisador do MIT Dr. N. Apurva Ratan Murty. O estudo foi publicado na revista científica Current Biology.
Categorias visuais
Há mais de 20 anos, enquanto estudava o fluxo visual ventral, a parte do cérebro que reconhece objetos, a Dra. Kanwisher descobriu regiões corticais que respondem seletivamente aos rostos. Mais tarde, ela e outros cientistas descobriram outras regiões que respondem seletivamente a lugares, corpos ou palavras. A maioria dessas áreas foi descoberta quando os pesquisadores se propuseram especificamente a procurá-las. No entanto, essa abordagem baseada em hipóteses pode limitar o que você acaba encontrando, disse a Dra. Kanwisher.
“Pode haver outras coisas que talvez não pensemos em procurar”, disse a pesquisadora. “E mesmo quando encontramos algo, como sabemos que isso é realmente parte da estrutura dominante básica desse caminho, e não algo que encontramos apenas porque estávamos procurando?”
Para tentar descobrir a estrutura fundamental do fluxo visual ventral, a Dra.Kanwisher e a Dra. Khosla decidiram analisar um grande conjunto de dados disponível publicamente de respostas de ressonância magnética funcional de cérebro inteiro (fMRI) de oito sujeitos humanos enquanto visualizavam milhares de imagens.
“Queríamos ver quando aplicamos uma estratégia baseada em dados e sem hipóteses, que tipos de seletividades aparecem e se elas são consistentes com o que havia sido descoberto antes. Um segundo objetivo era ver se poderíamos descobrir novas seletividades que não foram hipotetizadas antes ou que permaneceram ocultas devido à menor resolução espacial dos dados de fMRI”, disse a Dra. Khosla.
Para fazer isso, os pesquisadores aplicaram um método matemático que lhes permite descobrir populações neurais que não podem ser identificadas a partir de dados tradicionais de fMRI. Uma imagem de fMRI é composta de muitos voxels – unidades tridimensionais que representam um cubo de tecido cerebral. Cada voxel contém centenas de milhares de neurônios, e se alguns desses neurônios pertencem a populações menores que respondem a um tipo de entrada visual, suas respostas podem ser abafadas por outras populações dentro do mesmo voxel.
O novo método analítico, que o laboratório de Kanwisher usou anteriormente em dados de fMRI do córtex auditivo, pode provocar respostas de populações neurais dentro de cada voxel de dados de fMRI.
Usando essa abordagem, os pesquisadores encontraram quatro populações que correspondiam a grupos previamente identificados que respondem a rostos, lugares, corpos e palavras. “Isso nos diz que esse método funciona e nos diz que as coisas que encontramos antes não são apenas propriedades obscuras desse caminho, mas propriedades principais e dominantes”, disse a Dra. Kanwisher.
Curiosamente, uma quinta população também emergiu, e esta parecia ser seletiva para imagens de alimentos.
“Ficamos bastante intrigados com isso porque a comida não é uma categoria visualmente homogênea”, disse a Dra. Khosla. “Coisas como maçãs, milho e massas parecem tão diferentes umas das outras, mas encontramos uma única população que responde de maneira semelhante a todos esses diversos itens alimentares”.
A população específica de alimentos, que os pesquisadores chamam de componente alimentar ventral (VFC), parece estar espalhada por dois aglomerados de neurônios, localizados em ambos os lados do FFA. O fato de que as populações específicas de alimentos estão espalhadas entre outras populações específicas de categorias pode ajudar a explicar por que elas não foram vistas antes, dizem os pesquisadores.
“Acreditamos que a seletividade alimentar era mais difícil de caracterizar antes porque as populações seletivas para alimentos se misturam com outras populações próximas que têm respostas distintas a outros atributos de estímulo. A baixa resolução espacial da fMRI nos impede de ver essa seletividade porque as respostas de diferentes populações neurais se misturam em um voxel”, disse a Dra. Khosla.
“A técnica que os pesquisadores usaram para identificar células ou áreas sensíveis às categorias é impressionante, e recuperou sistemas sensíveis às categorias conhecidos, tornando as descobertas da categoria de alimentos mais impressionantes”, disse o Dr. Paul Rozin, professor de psicologia da Universidade da Pensilvânia que não estava envolvido no estudo. “Não consigo imaginar uma maneira do cérebro identificar de forma confiável a diversidade de alimentos com base em características sensoriais. Isso torna tudo ainda mais fascinante e provavelmente nos dará uma pista sobre algo realmente novo.”
Alimentos x não-alimentos
Os pesquisadores também usaram os dados para treinar um modelo computacional do VFC, baseado em modelos anteriores que o Dr. Murty havia desenvolvido para as áreas de reconhecimento de rosto e lugar do cérebro. Isso permitiu que os pesquisadores executassem experimentos adicionais e previssem as respostas do VFC. Em um experimento, eles alimentaram o modelo com imagens combinadas de alimentos e itens não alimentícios que pareciam muito semelhantes – por exemplo, uma banana e uma lua crescente amarela.
“Esses estímulos combinados têm propriedades visuais muito semelhantes, mas o principal atributo em que diferem é comestível versus não comestível”, disse a Dra. Khosla. “Poderíamos alimentar esses estímulos arbitrários por meio do modelo preditivo e ver se ele ainda responderia mais aos alimentos do que aos não alimentos, sem precisar coletar os dados de fMRI”.
Eles também poderiam usar o modelo computacional para analisar conjuntos de dados muito maiores, consistindo em milhões de imagens. Essas simulações ajudaram a confirmar que o VFC é altamente seletivo para imagens de alimentos.
A partir de sua análise dos dados humanos de fMRI, os pesquisadores descobriram que, em alguns indivíduos, o VFC respondeu um pouco mais a alimentos processados, como pizza, do que alimentos não processados, como maçãs. No futuro, eles esperam explorar como fatores como familiaridade e gostar ou não de um determinado alimento podem afetar as respostas dos indivíduos a esse alimento.
Eles também esperam estudar quando e como essa região se especializa durante a primeira infância e com quais outras partes do cérebro ela se comunica. Outra questão é se essa população seletiva de alimentos será vista em outros animais, como macacos, que não atribuem o significado cultural à comida que os humanos fazem.
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Fonte: Anne Trafton, MIT.