Dicas de como utilizar essa técnica, que trabalha com a empatia e evita responsabilizar o outro
A rotina de pandemia, passando mais tempo em casa junto com familiares, tem sido um desafio para as pessoas, por uma série de fatores. Esse cenário novo, em meio a uma crise global de saúde, pode incentivar um maior nervosismo, ou ansiedade, que refletem no convívio diário, intensificado com o isolamento. Assim, cria-se um cenário fértil para discussões ou brigas, de variadas intensidades, dentro de casa.
Como evitar isso? Em muitos casos, o segredo está na forma de se comunicar com o outro. Muitas vezes as pessoas têm uma forma de falar e interagir que é agressiva, o que facilita a ocorrência de discussões.
Psicólogos e especialistas na Comunicação Não-Violenta afirmam que as pessoas podem pensar ‘eu não sou violento, não grito, não bato’, porque pensamos muito na violência explícita, mas a comunicação violenta é aquela cheia de julgamento, não responsabilização pelos próprios atos e comparação. Ao entrarmos em uma conversa já na defensiva, ou descontando irritações, prevendo uma briga ou já julgando o outro como errado ou irritante, a chance de uma discussão ocorrer é muito maior.
Foi pensando nisso que o psicólogo Marshall Rosenberg criou a distinção entre uma comunicação violenta e uma comunicação não violenta, estruturando o passo a passo dessa forma de dialogar.
Marshall criou duas metáforas ligadas ao mundo animal para explicar essas comunicações: a comunicação violenta é o chacal, um animal reativo, que só olha o seu entorno e ataca a qualquer sinal de movimento; já a comunicação-não-violenta é a girafa, animal que enxerga o todo e que possui, até anatomicamente, um grande coração, ou seja, é a comunicação que vem do coração, baseada em uma noção do todo.
Uma das bases da comunicação-não-violenta é o esforço para evitar cair em pré-concepções e jogar a responsabilidade dos problemas no outro. É muito importante evitar culpabilizações. Estamos acostumados a colocar rótulos nas pessoas, esquecendo que os estados emocionais estão ligados com as próprias histórias, e as necessidades que elas têm.
Assim, o primeiro passo para evitar conflitos é comunicar o que você está sentindo, sem fazer análises sobre o outro. Por exemplo, não diga ‘você me magoou’ mas ‘isso soou como algo que me magoa’, e explique porque a fala da pessoa te fez sentir isso. As atitudes dos outros não são responsáveis pelo que sinto, mas sim, despertam sentimentos em mim, sejam agradáveis quando minhas necessidades são atendidas, ou desagradáveis quando não são.
É importante também entender como experiências passadas podem influenciar nesse processo: se você cresceu em uma família em que as pessoas falavam muito alto normalmente, você vai falar alto. Mas para uma pessoa que cresceu em um ambiente em que falar alto significava levar uma bronca ou uma prévia à violência física, ouvir alguém falando alto já gera um comportamento mais defensivo e até medo.
Esse elemento, de autenticidade, é resumido em falar o que está sendo sentido.
O segundo elemento da comunicação é sintetizado na palavra empatia. Deve-se buscar entender o que o outro fala, mesmo que seja uma comunicação atrapalhada. Atrás de todo comportamento violento, como escreveu Marshall Rosenberg, existe uma necessidade não atendida: precisamos olhar e descobrir qual é.
Mudar totalmente essa percepção e começar a ver tudo que é dito considerando as necessidades que estão por trás das mensagens não é fácil, mas é possível, aos poucos, diminuir conflitos e desenvolver maior empatia.
Trazendo para o dia a dia em casa, imagine que uma mãe, que nessa situação concentra as atividades domésticas, entra na cozinha e vê a louça suja. Ela então reclama que as pessoas da casa são preguiçosas. Você pode ser agressivo de volta e começar um bate boca, ou pode respirar e pensar ‘o que está rolando por trás disso? Qual a necessidade dela que não está sendo atendida?’. Ela não consegue falar ‘eu preciso de ajuda, não dou conta de tudo isso’. Não somos ensinados a falar sobre nossas necessidades. É um aprendizado.
A comunicação não agressiva, portanto, é uma investigação de necessidades, que permite então chegar a um acordo com a pessoa. Nesse caso, um familiar poderia conversar com a mãe e fazer um combinado: ajudar nas atividades domésticas e, em troca, a mãe tentar não gritar tanto pois é algo que não faz bem para ele (e nem para ela!). Acima de tudo, é importante criar uma abertura com as pessoas, dar espaço para ter o diálogo e entender, também, o tempo da pessoa para que a conversa ocorra.
O cenário da pandemia e o isolamento é propício para que essas discussões do dia a dia aumentem. São várias necessidades – trabalho para alguns, com o home office compulsório, é preciso conciliar com cuidado dos filhos (em educação remota) e da casa (divisão de tarefas!) e uma convivência quase ou sempre 24 horas para algumas famílias, além do espaço, que pode ser reduzido para tanta necessidade.
Uma boa dica pode ser que as pessoas que moram juntas se reúnam e enumerem as necessidades que elas têm, buscando atender às necessidades de todos. Isso vai de arranjar um lugar silencioso para fazer o home office a ajudar com atividades de casa ou no cuidado dos filhos.
As crianças também têm diversas necessidades, e algumas também estão presas dentro de casa ainda, até a volta da escola regular. É importante pensar em quais necessidades não estão sendo atendidas, e entender que isso pode gerar choros ou tentativas de chamar atenção, ainda mais agora com um contato maior com os pais e falta de uma rotina diferente.
Lembre-se sempre que a Comunicação Não Violenta não é uma forma de persuasão, não a usaremos para conseguir o que queremos e sim para melhorar os nossos relacionamentos e atender as necessidades de todos.
Essa prática tem como premissa que nossos anseios e necessidades não sejam concedidos às custas de outra pessoa, ou seja, elas não foram criadas para manipular os outros para atenderem às nossas expectativas.
Referências:
Livro: Comunicação Não Violenta – Marshall B. Rosenberg
Workshop: Introdução à Comunicação Não Violenta – Marhsall B. Rosenberg