A fórmula da aprendizagem

06/09/2020
06/09/2020 Core

O cenário atual nos confrontou com a urgente necessidade de repensar os padrões sobre os quais pautávamos, até então, nossas vidas e a existência.

A quebra de paradigmas, neste contexto, acontece em meio a um tempo de turbulências sociais e de ressignificação das bases do pensamento que tem sustentado a nossa sociedade.

A vida contemporânea, as demandas sociais, as relações familiares e de trabalho, os afazeres diários; de um modo geral, o cotidiano exige de cada um nós, a todo momento, formularmos respostas para os mais diversos desafios e problemáticas com que nos deparamos em seu decorrer.

O pensamento cartesiano, sobre o qual a sociedade moderna estruturou-se, alicerça-se sobre a razão como meio para interpretar, compreender, e intervir no mundo em que vivemos.

O racionalismo privilegia o pensamento analítico na busca pelo entendimento de mundo, independente do corpo e distanciado das sensações e emoções. Na condição de independência, a razão seria, então, capaz de solver os desafios e problemáticas que surgem em nosso dia a dia. Sob esta égide, seria possível desenvolver fórmulas capazes de elaborar as respostas que buscamos no cotidiano, como, por exemplo: a fórmula da aprendizagem.

Creditar à razão o papel de protagonista de um monólogo, todavia, é reduzir o pensamento humano a uma via de mão única, sem acessos transversais nem ruas adjacentes que confluam para este caminho, impossibilitando agregar valor ao pensar.

O equívoco, como descrito por António Damásio em  “O erro de Descartes”, foi estabelecer a disjunção entre razão e emoção. As emoções, identificadas pelas ciências da mente e do cérebro, igualmente como a razão, são também elaboradas no cérebro que é o campo do pensamento onde o processo de aprendizagem se constrói.

A questão que se impõe é que do mesmo lugar de onde parte o pensamento lógico também partem as emoções, como hoje nos esclarecem os estudos sobre o cérebro. Sendo assim, como afirma Damásio: “a razão pode não ser tão pura quanto a maioria de nós pensa ou desejaria que fosse (…)”.  As áreas responsáveis pelo raciocínio, no córtex pré-frontal, se comunicam com áreas responsáveis pelas emoções, na amígdala cerebral, e inter-relacionam-se resultando no comportamento humano, inclusive no que tange ao indivíduo se abrir para o aprendizado.

As fórmulas racionais para solucionar problemas são intimamente afetadas pelas emoções as quais constituem uma variável determinante na sua construção, como Damásio sugere ao afirmar “(…) que certos aspectos do processo da emoção e do sentimento são indispensáveis para a racionalidade.”

Transpondo essa reflexão para a escola, nos deparamos com o processo de aprendizagem. São nutridas expectativas sobre como os alunos desenvolverão suas aprendizagens e como alcançarão excelência na aquisição dos conhecimentos. Espera-se que a escola os apresente a fórmula da aprendizagem.

Aprender, entretanto, envolve não somente desenvolver capacidades cognitivas que induzam o raciocínio a produzir respostas objetivas aos desafios e problemáticas apresentados por conteúdos programáticos. Aprender é produzir significância para tudo aquilo que é processado a partir do estímulo recebido pelo cérebro humano segundo uma associação de fatores racionais e emocionais, os quais, ao combinarem-se, possibilitam percepções e interpretações diversas e, exatamente por isso, enriquecidas.

A escola é organismo vivo, diversificado, multifacetado, em constante mutação. É campo potencial produtivo para formação de indivíduos pensantes, contudo, não menos sensíveis.

A multiplicidade de indivíduos que formam o corpo acadêmico cria uma ambiência propícia à diversidade de experiências e, por consequência, à diversidade de fórmulas de aprendizagem.

Nesse espaço de aprendizagem, os alunos têm a chance de experimentar e viver situações em que serão capazes de desenvolver sentimentos de compaixão, empatia, resiliência, generosidade. É na escola onde podem enfrentar os medos, se capacitar para avaliar os riscos e se deparar com situações de frustração nas quais as perdas venham a se reverter em ganhos e fortalecimento emocional. E ainda, é nesse ambiente que os alunos tem a oportunidade de habilitarem-se para manejar as suas emoções em favor dos seus relacionamentos pessoais, do seu exercício profissional e dos seus papéis sociais.

Lá é, também, o lugar que reconhecerão como fonte para a construção do aparato teórico-científico que suportará o pensamento crítico, essencial ao seu desenvolvimento intelectual.

Desse modo, centrar as expectativas com relação à escola, estritamente, em demandas de uma vida contemporânea, que exige, muitas vezes, respostas objetivas e fórmulas racionais, provavelmente, levará à frustração. Tentar encontrar “A fórmula da aprendizagem” incorrerá no risco de não a achar.  Mas, ao RE-formular a visão sobre a aprendizagem abrir-se-á um caminho para perceber que, para além da aquisição de conteúdo, os alunos têm, na escola, a oportunidade de desenvolver capacidades cognitivas, emocionais e relacionais como parte da formação integral do indivíduo, as quais os possibilitarão a atuar como agentes de transformação na sociedade, e não apenas formuladores de respostas derivadas de equações ordinárias.

DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.