Nos últimos dias, comecei a receber solicitações de algumas famílias de pacientes autistas por relatórios médicos recomendando que permaneçam em casa após a reabertura das escolas para atividades presenciais.
Para mim, faz muito sentido.
Salas de aula são ambientes de encontros e trocas. Mesmo com a adoção de medidas para reduzir o número de alunos presentes, diminuir o tempo de permanência e fiscalizar o uso de máscaras, o distanciamento entre as pessoas e a higiene pessoal, não há como garantir a segurança de nenhuma criança, na verdade. Incluindo as neurotípicas.
Por mais rígidas que sejam as regras, crianças são seres naturalmente inquietos, curiosos, afetivos e com controle inibitório ainda em desenvolvimento. Basta um momento de entusiasmo, uma distração, uma brincadeira mais estabanada, uma frustração com alguma atividades, um mal entendido com um coleguinha e todo cuidado vai por água abaixo. Claro que, nas séries mais adiantadas, espera-se que sejam capazes de manter os cuidados necessários. Mas nesse ponto também despontam outras questões: é o cochicho no ouvido da melhor amiga, um toque “involuntário” no crush, uma trolagem, um descuido com o material. Sem nem mencionar os incrédulos e suas provas de “coragem”.
Autistas, em geral, são considerados como grupo exposto a maior risco de contágio. Muitos apresentam comportamento de busca sensorial: passam a mão em tudo (paredes, superfícies diversas, objetos), levam objetos à boca constantemente, levam objetos ao nariz para cheirar. Alguns podem apresentar dificuldades variadas para mudar o comportamento habitual em relação às outras pessoas (não cumprimentar, não abraçar ou beijar, não tocar). Outros não conseguem permanecer com máscara. Existem ainda aqueles que fazem tudo certinho, seguem toda a cartilha – mas que podem estar mais sujeitos a momentos fatais de distração ou desregulação.
Como sempre acontece tratando-se de uma condição tão vastamente heterogênea, há casos e casos. Mas para a imensa maioria, na minha visão, não vale o risco.
Acho importante, inclusive, aproveitar o texto para esclarecer uma questão que repercutiu muito nas redes sociais há poucas semanas, relativa ao direito da pessoa com deficiência a ter um acompanhante, em caso de internação. Apesar de ser realmente um direito previsto em lei, o que muitas pessoas não sabem é que, tratando-se de doença de alto contágio e potencialmente letal, a decisão estará a critério dos profissionais da unidade de saúde. É responsabilidade deles resguardar o direito das demais pessoas envolvidas e, obviamente, a proteção da vida está acima de tal direito.
Vale a reflexão. Meus pacientes podem continuar contando com o meu apoio para ficar em casa.