Tibete: Um Reino de Consciência

27/05/2020
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27/05/2020 Guilherme Romano

Há um ditado vindo do oriente, especificamente do Tibete, que nos ensina que não há situações desesperadoras, só há homens que se desesperam. Para nós, ocidentais, tal máxima soa como paradoxal, o que de certa forma prova as diferenças com as quais interpretamos a vida e seus meandros.

Se naquela terra distante na qual surgiu o tal ditado a liberdade hoje inexiste, a consequente expressão é proibida e o rígido controle social observa tudo e a todos – situação essa que nos parece desesperadora, prospera dali também para o mundo, um reino de consciência no qual os homens não desesperam e apenas esperam.

Esse tal reino de consciência se moldou de tal forma que não são necessárias fronteiras, nem mesmo instituições para se colocar à prova. À revelia da censura, o Tibete utópico existe e continua a sua franca expansão pelo globo. Em contrapartida, o Tibete territorial é apenas uma mera constatação geográfica para esse fim.

O ideário tibetano imaterial é de tal maneira poderoso que consegue residir até dentro de nós, ocidentais. Ele resiste ainda dentro de grande parte da população mundial formada por estudantes, intelectuais, artistas, políticos e afins até chegar aos seus algozes, como por exemplo, o presidente da República Popular da China, Xi Jinping.

Não há como negar o árduo trabalho do Dalai Lama nesse sentido. Palestras, livros, discursos, pregações materializam a causa pacifista do Tibete. Claro que, essa notável produção, influenciou e influencia até os dias de hoje nossas percepções acerca daquele tema. Até o cinema bebeu dessa fonte com o seu Sete Anos no Tibete.

Mas o que mais chama a atenção dentro dessa jornada é que, há alguns anos, o mesmo Dalai Lama renunciou a seu cargo político de líder supremo daquele país para se dedicar apenas às questões espirituais do budismo tibetano. O que pretende o Dalai Lama nos ensinar a partir dessa renúncia, eis a pergunta.

Recuperando o paradoxo do desespero descrito no começo da nossa conversa, pode-se interpretar que o desespero não alcança a situação e sim os sentimentos envolvidos nela, ou seja: ele cabe apenas a nós, os falhos humanos. A renúncia política do Dalai Lama em nome da espiritualidade, talvez, parta desse mesmo princípio, no qual o desespero resta apenas a nós, e, por outro lado, à questão política e ao conflito em si, não cabe desespero algum, basta paciência para a sua resolução.

Essa fé cega na ação do tempo e na resolução natural dos conflitos aliada apenas à  religião nos parece até estranha e fora do nosso habitual ferramental intelectual, porém, analisando fria  e mais profundamente a tese da causa tibetana sob essa ótica, tudo tem sentido.

Seu dogma estrutural é de tal forma virtuoso que não só continua a reivindicar de volta o território do Tibete na prática, senão que, em maior medida, esse também moldou um reino de espiritualidade sem fronteiras ou território, livre da violência e, consequentemente do conflito em questão.

Em resumo, para nós, os ocidentais, toda essa engenharia intelectual de forte vertente espiritual não só nos convenceu, como também nos transformou em partícipes dessa causa. Temos ciência, apesar da distância, do Tibete invadido e cerceado por um lado, porém também, em contrapartida, veneramos com muito mais vigor e intensidade o reino de consciência, o Tibete imaterial e espiritual. Ao fim, só nos cabe reconhecer que o Dalai Lama e os seus seguidores venceram e convenceram.

Namasté.

 

Guilherme Romano

Meu nome é Guilherme Frossard Romano. Sou paulistano de coração. Escrevo, fotografo e nas horas vagas administro empresas. Sou formado pela ESPM e tenho predisposição pelo cinema e pela literatura latino-americana. Na minha cabeceira agora descansa comigo o livro: Confesso que vivi, do insuperável Pablo Neruda. Meus vícios, não necessariamente nessa ordem, são um bom café e viajar pelo mundo.