O caminho é longo mas, logo ali, na saída de São Paulo, ao vencer o túnel da Mata Fria, já se respira um novo ar, um ar rarefeito das preocupações da cidade grande. Pela janela do carro, já se observa o verde das montanhas sob o sol do verão de janeiro e, depois de algumas curvas, um café coado na contramão expressa daquele retilíneo cotidiano dos dias passados.
Asfalto, mais asfalto e a divisa, Três Corações, curvas, retas, caminhões e, lá depois tem-se Tiradentes, o epicentro das Minas Gerais para aqueles dias de verão. Esqueça, por enquanto, as belezas de Belo Horizonte ou mesmo a pujança do Triângulo Mineiro, pois a pequena é de certa forma tão virtuosa que, para aqueles dias, abrigava o que Minas e o Brasil tinham de melhor.
Já nas primeiras impressões, Tiradentes não decepciona: ladeira acima e, à esquerda da Igreja de Santo Antônio, um conjunto de simpáticas casinhas no melhor do estilo colonial estava à espera. Porta adentro, pé direito alto, decoração simples, porém confortável e um quarto quase que espartano, sem distrações: seu luxo era apenas o simples, um piso de jacarandá.
A noite e as suas estrelas eram um convite para se caminhar pelas pequenas ruas da cidade. Restaurantes e cafés chamavam a atenção com seus chamarizes ora do trivial das minas ora ao standard internacional. No entanto, o que realmente hipnotizava naquela noite atípica, no melhor dos sentidos, era a atmosfera local que envolvia aqueles caminhos com um amarelo longínquo que beirava a beleza da luz à vela.
Café, a conta, novo destino: o Largo das Forras. A praça central tinha para aquela noite uma aura toda especial, seu clima confinava o melhor do circense, com direito à pipoca amanteigada e muito burburinho. As fileiras de cadeiras ocupadas esperavam, atônitas, a apoteose maior daquela noite, a magia do cinema de rua – era a Terceira Mostra de Cinema de Tiradentes.
Ali, caminhando entre a multidão, um chapéu chamava para si todos os olhares, uma silhueta foi se aproximando e o choque com as roupas negras e o crucifixo foi imediato. Porém, quem, nos mínimos detalhes, atraía ainda mais os olhares eram as unhas curvilíneas e quilométrica de um tal José Mojica Marins, nosso eterno Zé do Caixão.
Na tela grande, quem desfilava sabedoria entre cortes e cenas era o cinema magistral de ninguém menos do que Carlos Reichenbach. Eram epígrafes, liberdades, amores, as marginais, o lixo, o luxo e o pó numa velocidade sem igual que transbordavam daquela tela a todo momento para o largo, para depois o arraial, chegando às Minas Gerais para, ao fim, emoldurar e recontar as histórias daquele saudoso Brasil dos doces anos finais do passado milênio.